Maria
Conga é um
espírito desencarnado (preta-velha) que incorpora em médiuns dentro dos rituais umbandistas.
Cenas de exaustivo trabalho em plantações de cana. É nisso que Vovó Maria Conga parece estar constantemente envolvida. Gosta de doces, cocada branca em especial, mas não dá demonstrações de ter sido esta sua principal ocupação na encarnação como escrava.
Sentada em
um toco de madeira no terreiro contou, certa vez, alguns fatos de sua vida em
terra brasileira.
Começou
dizendo que só o fato de podermos conviver com nossos filhos é uma grande
dádiva. Naquele tempo as negras eram destinadas, entre outras coisas, a
procriar, a gerar filhos que delas eram afastados muito cedo, até mesmo antes
de serem desmamados. Outras negras alimentavam sua cria, assim como tantos
outros “filhotes” foram alimentados pela Mãe Conga. Quase todas as mulheres
escravas se transformavam em mães; cuidavam das crianças que chegavam à
fazenda, rezando para que seus próprios filhos também encontrassem alento aonde
quer que estivessem.
Os orixás
africanos, desempenhavam papel fundamental nesta época. Diferentes nações
africanas que antes guerreavam, foram obrigadas a se unir na defesa da raça e
todos os orixás passaram a trabalhar para todo o povo negro. As mães tomavam
conhecimento do destino de seus filhos através das mensagens dos orixás. Eram
eles que pediam oferendas em momentos difíceis e era a eles que todos recorriam
para afastar a dor.
Maria
Conga teve que se utilizar de algumas “mirongas” para deixar de ser uma
reprodutora, e assim, pelo fato de ainda ser uma mulher forte, restou-lhe a
plantação de cana. A colheita era sempre motivo para muito trabalho e uma
espécie de algazarra contagiava o lugar. Enquanto as mulheres cortavam a cana,
as crianças, em total rebuliço, arrumavam os fardos para que os homens os
carregassem até o local indicado pelo feitor. Foi numa dessas ocasiões que
Maria Conga soube que um dos seus filhos, afastado dela quando já sabia andar e
falar, era homem forte, trabalhando numa fazenda próxima.
Seu
coração transbordou de alegria e nada poderia dissuadi-la da idéia de revê-lo.
Passou então a escapar da fazenda, correndo de sol a sol, para admirar a beleza
daquele forte negro. Nas primeiras vezes não teve meios de falar com ele, mas
os orixás ouviram suas súplicas e não tardou para que os dois pudessem se
abraçar e derramar as lágrimas por tanto tempo contidas. Parecia a ela que eles
nunca tinham se afastado, pois o amor os mantivera unidos por todo o tempo.
Certa
tarde, quase chegando na senzala, a negra foi descoberta. Apanhou bastante, mas
não deixou de escapar novamente para reencontrar seu filho. Mais uma vez os
brancos a pegaram na fuga, e como ela ainda insistisse uma terceira vez
resolveram encerrar a questão: queimaram sua perna direita, um pouco acima da
canela, para que ela não mais pudesse correr.
Impossibilitada
de ver o filho, com menor capacidade de trabalho, a Vó Maria Conga passou a
cuidar das crianças negras e de seus doentes. Seu coração se encheu de tristeza
ao saber que haviam matado seu filho quando tentava fugir para vê-la. Sua vida
mudou. De alegre e tagarela passou a ser muito séria, cuidando do que falava até
mesmo com os outros negros. Para as crianças contava histórias de reis negros
em terras negras, onde não havia outro senhor. Sábia, experiente e calada, Vovó
Maria Conga desencarnou.
Com
lágrimas na alma ela acabou seu conto. Disse que só entendeu a medida do amor
após a sua morte. Seu filho a esperava sorrindo, guardião que fora da mãe o
tempo todo em que aguardava seu retorno ao mundo dos espíritos.
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